“Sou um não-crente profundamente religioso”
A. Einstein

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Recitando... O poema.

António Abujamra é conhecido pela irreverência de suas encenações e por seu humor crítico em relação a totens e tabus sociais.
É pai do também ator e músico André Abujamra. As atrizes Clarisse Abujamra e Iara Jamra são suas sobrinhas.
Comanda o programa Provocações, da TV Cultura, que vai ao ar desde 6 de Agosto de 2000. Atualmente é exibido todas as terças-feiras, às 23 horas, com reprise na madrugada de terça para quarta-feira, à 1h30.

 NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem
conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)

Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro
da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer
coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser
sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
(Álvaro Campos 1923)

Este poema em particular me é muito caro, Minha identificação por ele foi singular a ponto de me arrepiar, diz tanto por aquilo que penso ser ou pretendo ser, ou melhor, por aquilo que me transformei, sim hoje eu grito: "tirem me daqui a metafísica, a moral, a civilização moderna..". Como posso ser o contrário do que sou, não consigo ser fútil, quando me envolvo com as pessoas não sou eu que estou lá, é um outro eu que vive a querer vencer minha consciência não determinada. Como posso viver da mentira? E como posso eu também querer viver da verdade? Já estive nesse dois âmbitos da realidade e nenhum conseguiu convencer - me de que existem diretrizes a serem seguidas nessa vida, A vida não é insofismável!!! Se é que tenho nojo de alguma coisa nessa vida é de ver as pessoas viverem uma vida não vivida, tudo é tão implacável e determinante; a religião, a ciência, a cultura, as artes etc.
"Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!".
E a grande explicação para tudo isso se dá unicamente no silêncio, se é que há uma explicação.

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